O diagnóstico do TEA, de acordo com a última versão do Manual Diagnóstico Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5; APA, 2013) requer: dificuldades de comunicação e interação social, além da presença de interesses e padrões restritos e repetitivos de comportamento. No DSM-5, o TEA é apresentado como um Transtorno do Neurodesenvolvimento, isso significa que os sintomas se manifestam no início do período do desenvolvimento, resultando em alterações significativas no funcionamento pessoal, social, acadêmico ou profissional (APA, 2013).
Segundo Gadia et. al. (2004), as dificuldades de comunicação têm graus variados, tanto na habilidade verbal, quanto na não verbal, de compartilhar informações. Há crianças que não desenvolveram habilidade de comunicação, e terão formas de expressão mais “imaturas” em relação à outras, caracterizadas por ecolalia, entonação monótona, entre outras. Essas características são encontradas frequentemente em indivíduos com TEA. É comum que crianças com TEA não falem, ou usem apenas atos comunicativos, como vocalizações, gestos e até mesmo comportamentos agressivos com intenção de comunicação (Fernandes et. al. 2006).
Embora não necessariamente estes comportamentos possuam a função de machucar os outros ou a si mesmo, eles podem ser emitidos para se proteger de algo que não conseguem lidar ou comunicar verbalmente. (Marteleto et. al. 2011).
Sendo assim, indivíduos com TEA estão mais suscetíveis a se engajarem em comportamentos interferentes e que promovam fuga ou esquiva para evitar situações aversivas.
A estratégia de extinção de fuga para evitar que o cliente saia da atividade aversiva é comumente utilizada por profissionais que atuam com crianças com TEA. Assim, o terapeuta evita que a criança fuja bloqueando tentativas, forçando-a fisicamente a realizar o que foi pedido e repetindo a instrução, dando “ajuda física” para que ela termine a atividade. (Chazin et. al. 2021).
Usar a estratégia de extinção de fuga, comentada acima, acarreta em efeitos colaterais indesejados, como por exemplo: o pareamento do terapeuta, bem como tudo que engloba a sessão, com situações aversivas, o que pode vir a caracterizar toda a estrutura de ensino como punitiva. (Chazin et. al. 2021).
Rajamaran et. al (2022) ao citarem DeCandia et al. (2014), apontam que o efeito de eventos traumáticos geram respostas encobertas a um evento externo aversivo. Geralmente o evento aversivo inicialmente funciona como punidor de uma classe específica de comportamento que é desejável que seja diminuído, mas na verdade estes eventos possuem efeitos prolongados, podendo exercer influência em experiências futuras na vida daquele indivíduo, que pode vir a sentir-se frequentemente irritado, desamparado e com medo, podendo até mesmo desenvolver outros transtornos como ansiedade e depressão.
Com isso, Wilkenfeld e McCarthy (2020) fazem uma crítica à implementação da intervenção baseada em ABA, discutindo a importância da ética no trabalho do analista do comportamento. Os autores trazem como ponto central o fato de que trabalhar apenas no tratamento dos comportamentos dos pacientes para que seja benéfico para a sociedade pode atrapalhar a autonomia e o que é significativo para eles mesmos. Desta forma, a terapia deve ser norteada pelo bem-estar do paciente, respeitando seus direitos e motivações. (Wilkenfeld e McCarthy, 2020).
Os autores ainda citam que quando a implementação de um tratamento anula as motivações naturais da criança e é feita por meio de métodos coercitivos, isto deve ser criticado, pensando se realmente é ético e justo com a criança agir por meio destes procedimentos e estratégias em detrimento de outras.
Assim, deve-se considerar que se são utilizados procedimentos de forma que são aversivos para a criança e ela se comporta primariamente para se livrar destas situações, ou seja, por reforçamento negativo, isto é um problema.
Práticas alternativas à extinção de fuga
Diante das reflexões acima, é importante salientar o que pode ser feito como alternativas à práticas que possam gerar efeitos adversos a longo prazo no tratamento utilizando ABA.
Rajamaran et. al (2022), descrevem em seu estudo que estratégias antecedentes promovem melhores resultados na diminuição de comportamentos interferentes ao invés da extinção de fuga. Bem como ensino de tolerância com demandas de baixo custo; regulação emocional com ensino de respiração diafragmática; acesso à reforçadores de alta preferência contingente ao comportamento alternativo desejável; acesso à “intervalos enriquecidos”, modificação instrucional, entre outros.
Com isto, Rajamaran et. al (2022) apontam que é necessário dar prioridade a uma abordagem alinhada para reduzir o potencial de traumatização e aumentar a motivação do cliente. Estes preceitos devem ser levados em consideração e assim, estarão alinhados com a ética e os valores que sustentam a ciência ABA. Estas preocupações são pertinentes para aumentar a dignidade e humanidade com a qual tratamos os nossos clientes.
Referências:
American Psychiatric Association. (2013). Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders (5th ed). Arlington, VA: American Psychiatric Association.
Chazin, K.T., Velez, M.S. & Ledford, J.R. Reducing Escape without Escape Extinction: A Systematic Review and Meta-Analysis of Escape-Based Interventions. J Behav Educ 31, 186–215 (2022). https://doi.org/10.1007/s10864-021-09453-2
Gadia, C., Tuchman, R., and Rotta, N. (2004), Autismo e Doenças Invasivas do Desenvolvimento. JRNL Pediatr. 80 (2). https://doi.org/10.1590/S0021-75572004000300011
Morris, C., Detrick, J.J. and Peterson, S.M. (2021), Participant assent in behavior analytic research: Considerations for participants with autism and developmental disabilities. Jnl of Applied Behav Analysis, 54: 1300-1316. https://doi.org/10.1002/jaba.859
Patel, M., Reed, G.K., Piazza, C.C., Mueller, M., Bachmeyer, M.H. and Layer, S.A. (2007), Use of a high-probability instructional sequence to increase compliance to feeding demands in the absence of escape extinction. Behavioral Interventions, 22: 305-310. https://doi.org/10.1002/bin.251
Rajaraman, A., Austin, J.L., Gover, H.C., Cammilleri, A.P., Donnelly, D.R. and Hanley, G.P. (2022), Toward trauma-informed applications of behavior analysis. Jnl of Applied Behav Analysis, 55: 40-61. https://doi.org/10.1002/jaba.881
Wilkenfeld, D.A., & McCarthy, A.M. (2020). Ethical Concerns with Applied Behavior Analysis for Autism Spectrum “Disorder”. Kennedy Institute of Ethics Journal 30(1), 31-69. doi:10.1353/ken.2020.0000.